
Os intelectuais anônimos populares dos séculos passados usaram os seus vigores mentais com delicadeza e sabedoria para criar mundos fantásticos de ficções biológicas e espirituais divinatórias. Entre estes, criaram um mundo fabuloso, onde crianças humanas gêmeas nascem com a predestinação de receberem um talento demoníaco, que lhes dá o direito de viverem vida bruxólica, intensivamente quimérica, quando quiserem e onde quiserem, tanto por cima da ginga da Terra, quanto por dentro dos espaços siderais e dos celestiais.
As bruxas, segundo afirmam os criadores de mundos fantásticos, são criaturas humanas que têm poder espiritual satânico de se metamorfosear através de ordens lendárias e de encantamentos quiméricos sobrenaturais. A mulher que recebe o talento espiritual ao nascer ou, depois, pela vida afora, através dos olhos esguelhos da bruxa-chefe, compromete-se a cumprir todas as ordens que a chefe do seu bando comunitário lhe apresentar em reuniões semanais, [ordens] que significam: chupar sangue de crianças até dar-lhes a sepultura, atacar cavalos e pessoas indefesas, depenar galinhas e mais estripulias supostamente terrificantes, malignas e atrozes.
Perseguindo esses grandes legados da lavra cultural da ficção humana, compreendi que, no mundo bruxólico de encantamentos míticos, onde se atribui o mal porque o demônio é o seu gênio tutelar, deve haver também, como em nosso mundo real conturbado e enfermiço, momentos para lazeres fictícios.
Muitas vezes ouvi contar que, num baile muito animado, num suposto lugar da nossa velha Terra, o garotão anjo Lúcifer comprou ingresso e entrou no salão para dançar. Segundo dizem, ele é fisicamente o homem mais bonito da criação humana e, por tal razão, provocou apetite sexual no amor carnal de todas as mulheres que estavam se divertindo no tal baile Pega-Fogo. Ele dançou com todas as moças que se achavam presentes no salão e, por ser muito bonito, ótimo dançarino e muito disputado pelas mulheres ali presentes, causou grande descontentamento entre os homens, que não o viram com bons bofes.
E a madame Mexerica conversa que, sentada num dos cantos do salão do famoso baile Pega-Fogo, encontrava-se uma trempe formada por três velhas que, naqueles dias do passado, costumavam amanhecer sentadas em noitadas de bailes, cochilando, de olho grelado no comportamento das filhas, com relação aos seus namorados. “Nada de dar oportunidades para a cegonha fazer ninhos clandestinos”, tal era a ordem severa que as moças recebiam em casa, assoprada pela madame Sociedade da Época. A infeliz que ousasse aceitar o ninho clandestino da cegonha por riba da virgindade era expulsa de casa com todos os vigores ultrajantes das leis patriarcais em voga.
Quando três mulheres se encontram e formam uma trempe, duas conversam as novidades circulantes e uma fica mais afastada a atender o que está se passando em volta delas e das outras. Foi isso que aconteceu no baile em que o Satanás estava dançando animadamente rubro, com entusiasmo inferneiro.
Enquanto duas pernas da trempe se entretinham em fofocas diversas, a que estava mais afastada olhou do alto para baixo no físico do garotão cobiçado e notou que os pés dele eram redondos, iguaizinhos aos pés dos patos. Ela não teve dúvida. Chamou a atenção das outras duas velhas e, quando o moço Lúcifer passou dançando perto delas, unissonamente elas gritaram: “Este home que ’tá dançando aí tem pé de pato!”
Quando Lúcifer ouviu em coro as vozes das três velhas, provocou, dentro do salão Pega-Fogo, um estrondo que nem estampido de trovoada baixa. Queimou enxofre em abundância e desapareceu nos feéricos encantos das fantasias humanas.
A madame Mexerica afirma que, se uma pessoa ficar de quatro e olhar por baixo da barriga do corpo para dentro de um salão onde estão dançando, verá o garotão Lúcifer entre a turma de dançarinos se divertindo a valer.
Até bem poucos anos, os padres da Igreja Católica Romana não admitiam que clubes de danças ou bailes domésticos funcionassem em estabelecimentos de suas paróquias. Creio que uma das razões deva ser a de que eles acreditavam, como nós outros, que o moço Lúcifer se misturava com os fiéis para aproveitar a ocasião de atiçar, na memória dos dançarinos, oportunidades pecaminosas.
Ora, se o moço Lúcifer é assim tão apaixonado por bailes, é lógico, acredito, que as suas comandadas de bandos comunitários bruxólicos também o sejam.